O Fetichismo Da Mercadoria: A Ilusão Do Consumo E O Esvaziamento da Subjetividade

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🏠Parnaíba (PI)

Walter Fontenele - Graduado em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI - 2021.

Resumo

Este artigo analisa o conceito de fetichismo da mercadoria, proposto por Karl Marx, e sua relevância no contexto do capitalismo contemporâneo. A partir de uma abordagem interdisciplinar, discute-se como as mercadorias transcendem seu valor de uso, assumindo significados simbólicos que moldam identidades e relações sociais. Com base em autores como Marx, Adorno, Illouz e Bauman, o estudo explora as implicações do fetichismo no consumo, na subjetividade e na saúde mental, apontando para a necessidade de uma consciência crítica que resista à lógica alienante do mercado.

Palavras-chave: Fetichismo da mercadoria; Consumo; Capitalismo; Subjetividade; Alienação.

1. Introdução

A mercadoria aparece, à primeira vista, como uma coisa trivial e evidente. Mas, na realidade, é uma coisa muito estranha, cheia de sutilezas metafísicas e caprichos teológicos” (MARX, 2013, p. 165).

No século XXI, o consumo de bens como tênis de marcas renomadas, smartphones de última geração ou roupas de grife tornou-se central na construção de identidades e na busca por pertencimento social. Esse fenômeno, descrito por Karl Marx como fetichismo da mercadoria, evidencia a atribuição de valores simbólicos aos produtos, que obscurecem as relações sociais e o trabalho humano envolvidos em sua produção. Este artigo examina o fetichismo da mercadoria, suas implicações na subjetividade contemporânea e os desafios para sua desconstrução, com base em autores como Marx (2013), Adorno e Horkheimer (1985), Illouz (2004) e Bauman (2003).

2. O Conceito de Fetichismo da Mercadoria

No Livro I de O Capital, Marx (2013) define o fetichismo da mercadoria como o processo pelo qual os produtos do trabalho humano assumem uma aura de valor intrínseco, desvinculada das relações sociais que os geraram. Segundo o autor,

O caráter fetichista do mundo das mercadorias resulta do fato de que, na produção mercantil generalizada, as relações sociais entre os homens assumem a forma de relações sociais entre coisas” (MARX, 2013, p. 165).

Nesse sentido, o valor de uma mercadoria, como um tênis de marca, não é percebido como resultado do trabalho humano ou das estratégias de marketing, mas como uma qualidade inerente ao objeto. Esse fenômeno mascara a exploração presente na cadeia produtiva e transforma a mercadoria em um fetiche, um objeto de desejo que transcende sua utilidade prática.


3. Fetichismo e Subjetividade no Capitalismo Contemporâneo

Além de suas implicações econômicas, o fetichismo da mercadoria influencia profundamente a subjetividade. Como apontam Adorno e Horkheimer (1985), a cultura de massa transforma mercadorias em portadoras de significados existenciais, vendendo ilusões de felicidade e sucesso. Um jovem da periferia, por exemplo, pode associar o uso de roupas de marca à sua visibilidade social, enquanto uma influenciadora digital pode vincular sua autoestima à posse do smartphone mais recente.

Eva Illouz (2004) complementa essa análise ao afirmar que o mercado mercantilizou até mesmo as emoções, redefinindo sentimentos como amor, desejo e sucesso por meio de padrões de consumo. Assim, as mercadorias deixam de ser apenas bens materiais e tornam-se extensões da identidade, prometendo status e pertencimento. Contudo, essa lógica gera consequências graves, como endividamento, frustração e problemas de saúde mental, incluindo ansiedade e depressão.

4. A Cultura do Consumo e a Liquidez das Relações

Zygmunt Bauman (2003) descreve a contemporaneidade como uma era de “tempos líquidos”, caracterizada pela efemeridade das relações humanas e dos valores. Nesse contexto, o consumo inconsequente é estimulado por estratégias de publicidade, redes sociais e pela lógica do descarte rápido, que reforçam a obsolescência planejada e a necessidade constante de atualização. Para Bauman (2003, p. 8), “nada é feito para durar”, o que intensifica a alienação e o vazio existencial.

A desconstrução do fetichismo da mercadoria enfrenta desafios, pois ele está enraizado em diversas esferas da vida social, como a educação, a religião e o senso comum. A publicidade, por exemplo, associa bens materiais a ideais de felicidade e realização, criando armadilhas que convertem desejos legítimos em compulsão consumista.

5. Considerações Finais

O fetichismo da mercadoria, ao transformar objetos em símbolos de valor e status, perpetua a alienação no capitalismo contemporâneo. Ele não apenas obscurece as relações de produção, mas também esvazia a subjetividade, reduzindo a dignidade humana a padrões de consumo. Romper com essa lógica exige um olhar crítico que valorize a consciência, a liberdade e a autenticidade acima das ilusões vendidas pelo mercado. Como sugere Lukács (2003), a superação da alienação passa pela retomada da consciência de classe e pela resistência às estruturas opressivas do capital.

Reconhecer o fetichismo da mercadoria é, portanto, o primeiro passo para resgatar o controle sobre os desejos e escolhas, reafirmando o valor do que não se compra: a dignidade e a liberdade de ser além da vitrine.

Referências Bibliográficas

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

ILLOUZ, E. O consumo da utopia romântica. São Paulo: EDUSP, 2004.

LUKÁCS, G. História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

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