Audiência Pública Expõe Crise na Saúde de Parnaíba: Contas Reprovadas e Denúncias de Irregularidades

Câmara Legislativa de Parnaíba
📷Câmara Legislativa de Parnaíba © ACM
🏠Parnaíba (PI)

Conselho Municipal de Saúde denuncia compras suspeitas, falta de transparência e boicotes à fiscalização; relatório aponta indícios de superfaturamento e desvio de recursos.

Foi realizada na última Quarta-feira (19), na Câmara Legislativa de Parnaíba, Norte do estado do Piauí, uma audiência pública para tratar das prestações de contas da Secretaria Municipal de Saúde, referentes aos anos de 2022 a 2024. A audiência foi uma propositura do vereador Zé Filho.

Estiveram presentes: o presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Flávio Furtado Farias; a advogada Dra. Lara Cruz Miranda, representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); além dos conselheiros municipais Antônio Cardoso, Acai Costa, Talita Morais, Jesus Chaves, e as servidoras públicas Kelsa Pereira e Valdecir Xavier.


A audiência também reuniu os vereadores Maxseul Brandão, David Soares, Batista do Catanduvas, Fátima Carmino e Neta da Kolping, que acompanharam os debates sobre a aplicação dos recursos públicos na saúde municipal.


O presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Flávio Furtado Farias, abriu os trabalhos agradecendo a atenção dos parlamentares e reforçando a importância do Conselho como órgão fiscalizador previsto na Constituição Federal, responsável por garantir o controle social no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, Farias alertou para uma grave irregularidade: "desde 2017, a Prefeitura de Parnaíba não homologou a composição do Conselho, o que fragiliza o SUS local e compromete o repasse de recursos financeiros."

Formado por 40 conselheiros - 20 titulares e 20 suplentes - o CMS tem representação paritária entre usuários da saúde e profissionais da área, incluindo prestadores de serviço como a Santa Casa de Misericórdia. O presidente destacou que a atuação do Conselho se intensificou durante a pandemia, com visitas às unidades básicas de saúde (UBSs) e CAPS, aplicação de questionários e fiscalização rigorosa das contas públicas.

Entretanto, a atuação mais firme do CMS gerou incômodo na gestão municipal. Segundo Furtado, o Conselho tem sido alvo de “boicotes e tentativas de enfraquecimento de suas funções fiscalizadoras. Fiscalizar é obrigação do Conselho e direito da população”, disse.

Irregularidades e reprovações de contas:

O conselheiro José Antônio Cardoso, ex-vereador de Parnaíba, apresentou um panorama das irregularidades detectadas nas contas da Secretaria de Saúde. Segundo ele, embora o Conselho analise mensalmente os relatórios financeiros, a quantidade de informações e o pouco tempo dificultam análises aprofundadas.


Em 2022, o ponto mais crítico foi o mês de Setembro, quando uma auditoria detectou gastos concentrados e suspeitos;

- Compras em grande volume de alimentos, cabos elétricos, materiais de construção e equipamentos hospitalares;

- Contrato de R$ 888 mil com a Carvalho e Companhia para assessoria no programa Previne Brasil;

- Pagamento de R$ 3,348 milhões à Central de Laudos e Serviços;

- Convênio de R$ 5 mil com uma associação cultural sem prestação de contas.

Também foram relatados atrasos no início dos serviços contratados e perdas de dados no Previne Brasil. Como resultado, as contas de Setembro foram reprovadas e os demais meses aprovados com ressalvas.

Em 2023, o CMS aumentou o rigor da fiscalização e reprovou as contas de quatro meses: Destaque para Fevereiro e Março, quando foram compradas:

- 3,8 toneladas de carnes e peixes;

- 38 mil metros de cabos elétricos;

- Quase mil caixas de papel sulfite.

As compras em volumes excessivos levantaram suspeitas de superfaturamento ou uso indevido dos recursos.

Em 2024, as discrepâncias continuaram. Enquanto algumas unidades de saúde enfrentavam falta de materiais básicos, como detergente, as prestações de contas apontavam farta distribuição de insumos.

Cardoso também criticou o uso indiscriminado de “ressalvas” em anos anteriores como artifício para legitimar as contas sem a devida fiscalização. Segundo ele, o CMS evoluiu e, por isso, aumentou o número de reprovações.

Denúncias de boicote e desrespeito ao Conselho:

Durante a audiência, o Conselho denunciou:

- Constrangimentos e boicotes à sua função de fiscalização;

- Tentativas da gestão municipal de anular resoluções do CMS;

- Orientação para que servidores não prestem informações aos conselheiros, desrespeitando o papel do órgão.

Relatório Preliminar aponta indícios de superfaturamento:

O Relatório Preliminar de Fiscalização do CMS, referente a 2023 e ao início de 2024, traz graves constatações:

- Compra excessiva de carnes e peixes, sem destinação comprovada;

- Aquisição de 47 km de cabos elétricos, com pouca aplicação nas unidades de saúde;

- Compra de aproximadamente 50 mil telhas e outros materiais de construção sem comprovação de uso;

- Abandono de veículos adquiridos, mesmo após compra de baterias e combustível;

- Notas fiscais e contratos formalmente corretos, mas com execução prática não condizente.

O relatório detalha ainda compras suspeitas em 2024, como:

- Duas toneladas de tecido em malha e chapéus de palha;

- Grandes volumes de água sanitária e medicamentos;

- R$ 1,7 milhão pagos à empresa "Meds Soluções" para um curso de formação;

- Repetidas aquisições de cabos de rede e baterias de chumbo.

Em vários casos, os gerentes das UBS relataram ter sido proibidos de repassar informações e protocolos ao CMS.


A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se fez representar na audiência pela Dra. Lara Cruz, que “expressou preocupação com os relatórios do Conselho Municipal de Saúde, destacando que a saúde é um direito garantido pelo artigo 196 da Constituição de 1988 e um dever do Estado. Ela enfatizou que os três poderes devem assegurar acesso universal às políticas de saúde, promovendo proteção e recuperação, conforme os princípios do SUS (lei 8.080/1990): universalidade, equidade e integralidade.”, pontuou Lara.

“A OAB de Parnaíba, por meio da Comissão de Direito da Saúde, está presente para defender a Constituição, os direitos humanos e a justiça social, cobrando a boa aplicação das leis e alertando que agentes públicos podem responder civil e criminalmente por falhas.”, disse.

Por fim, os relatos das servidoras públicas Kelsea Pereira e Valdisleia trouxeram à tona a dura realidade enfrentada pelos profissionais da saúde. Elas denunciaram a falta de manutenção nas ambulâncias, a desvalorização da categoria - com salários sem reajuste há até 15 anos - e a constante falta de insumos básicos nas unidades de saúde.

Na sequência, as usuárias do CAPS, Susete Costa e Helena Martins, relataram situações igualmente alarmantes. Entre as denúncias, destacaram a falta de medicamentos, de receitas médicas e até de transporte para os pacientes. Segundo elas, houve casos em que a unidade passou um mês inteiro dispondo de apenas dois rolos de papel higiênico para atender toda a demanda.

O Conselho Municipal de Saúde concluiu que há indícios de superfaturamento e desvio de finalidade na aplicação de recursos da saúde. O relatório foi encaminhado à Câmara Municipal, ao Ministério Público e à população.

O CMS solicitou apuração rigorosa das denúncias pelos órgãos competentes, reforçando que os recursos da saúde são exclusivos e devem ser aplicados diretamente na melhoria dos serviços à população.

O Outro Lado:

Ao longo da noite desta quinta-feira (20), buscamos contato com representantes da gestão em busca de um posicionamento sobre o caso. No entanto, até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno. Reiteramos que o espaço permanece aberto para a publicação de nota ou esclarecimentos, caso queiram se manifestar.

Por Walter Fontenele | Portalphb

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