A Cultura da Desonestidade: Um Paralelo entre Países Sul-Americanos e Europeus

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🏠Parnaíba (PI)

A relação entre normas sociais, corrupção e honestidade individual tem sido objeto de estudos acadêmicos que buscam compreender como o ambiente cultural e institucional molda o comportamento ético das pessoas. Pesquisas, como as conduzidas por Simon Gäechter e Jonathan Schulz, da Universidade de Nottingham e Yale, respectivamente, e pela Universidade de East Anglia, lançam luz sobre a chamada "cultura da desonestidade", revelando diferenças marcantes entre países e regiões, como os sul-americanos e os europeus. Esses estudos mostram que a prevalência da corrupção em uma sociedade pode corroer a honestidade intrínseca de seus cidadãos, um fenômeno que se manifesta de maneira distinta em contextos culturais e históricos diversos.


O Estudo de Gäechter e Schulz: Corrupção e Desonestidade

Em um estudo publicado na revista Nature em 2016, Simon Gäechter e Jonathan Schulz analisaram como a violação de normas sociais, como corrupção, estelionato, evasão fiscal e fraude política, impacta a honestidade individual. A pesquisa envolveu 2.568 jovens de 23 países, incluindo nações como China, Alemanha e Colômbia. No experimento, os participantes tinham a oportunidade de mentir para obter vantagens financeiras, sem que fossem descobertos. Os resultados foram claros: "indivíduos de países com altos índices de corrupção tendiam a ser mais desonestos" (GÄECHTER; SCHULZ, 2016, p. 3). Gäechter, professor de Psicologia da Tomada de Decisões, explica que "as pessoas limitam seu nível de honestidade de acordo com o que é percebido como aceitável na sociedade ao seu redor" (GÄECHTER apud DW, 2016). Isso sugere que, em ambientes onde a corrupção é endêmica, a desonestidade torna-se uma norma social internalizada.

O Experimento da Universidade de East Anglia

Outro estudo relevante, conduzido pela Universidade de East Anglia em 2015, mediu os níveis de honestidade em 15 países, incluindo Brasil, China, Grécia, Japão, Rússia, Suíça, Turquia e Estados Unidos. Com mais de 1.500 participantes submetidos a experimentos incentivados com recompensas financeiras, a pesquisa constatou que "a desonestidade era mais comum em sociedades com altos níveis de corrupção e menor confiança nas instituições públicas" (UNIVERSIDADE DE EAST ANGLIA, 2015). Países como o Reino Unido apresentaram os menores índices de desonestidade, enquanto nações asiáticas como China e Japão, junto com o Brasil, figuraram entre os mais desonestos em diferentes etapas do experimento. Esses achados reforçam a ideia de que a integridade individual está intrinsecamente ligada ao contexto social e institucional.


A Cultura da Desonestidade na América do Sul

Na América do Sul, a história de colonização, desigualdade social e fragilidade institucional contribui para a formação de uma cultura onde a corrupção muitas vezes é vista como um meio de sobrevivência ou ascensão. No Brasil, por exemplo, o estudo da Universidade de East Anglia posicionou o país em uma faixa intermediária de desonestidade, mas ainda assim pior que dez outras nações analisadas. Esse resultado ecoa a percepção generalizada de corrupção no país, evidenciada por escândalos como o Mensalão e a Operação Lava Jato. A colonialidade do poder, conceito desenvolvido por Aníbal Quijano, também ajuda a explicar esse cenário. Segundo Quijano, a dominação europeia estabeleceu hierarquias raciais e sociais que persistem até hoje, enfraquecendo as instituições e normalizando práticas corruptas entre as elites e a população (QUIJANO, 2005).

Países como Colômbia e Argentina, também analisados em estudos sobre corrupção, compartilham características semelhantes. Na Colômbia, incluída no estudo de Gäechter e Schulz, a longa história de conflito armado e narcotráfico corroeu a confiança nas instituições, alimentando a desonestidade como uma resposta adaptativa às circunstâncias. Já na Argentina, a instabilidade política e econômica ao longo do século XX criou um ambiente onde "trapacear um pouco" é frequentemente percebido como aceitável. Esses exemplos ilustram como, na América do Sul, a fragilidade institucional e as normas sociais permissivas perpetuam a cultura da desonestidade.

O Contraste com a Europa

Na Europa, especialmente em países do norte como Alemanha, Suíça e Reino Unido, os estudos apontam para níveis mais altos de honestidade. Isso pode ser atribuído a instituições fortes, baixos índices de corrupção e uma cultura que valoriza a conformidade com as normas sociais. No experimento da Universidade de East Anglia, o Reino Unido destacou-se como o país mais honesto, refletindo uma sociedade onde a violação de regras é amplamente desaprovada. Gäechter reforça essa ideia ao afirmar que "pessoas que vivem em sociedades onde se desaprova a violação das normas têm mais probabilidades de ser honestas" (GÄECHTER apud TERRA, 2016).

No entanto, a Europa não é homogênea. Países do sul e do leste, como Grécia e Romênia, apresentam índices de corrupção mais altos e, consequentemente, maior tendência à desonestidade. Na Grécia, incluída no estudo de East Anglia, a crise econômica de 2008 exacerbou a desconfiança nas instituições, enquanto na Romênia a herança do regime comunista deixou um legado de fragilidade institucional. Esses casos mostram que, mesmo na Europa, contextos históricos e socioeconômicos influenciam a cultura da honestidade.

Um Paralelo entre os Continentes

O paralelo entre América do Sul e Europa revela que a honestidade está profundamente ligada à saúde das instituições e às normas sociais predominantes. Na América do Sul, a combinação de desigualdade, colonialismo e instabilidade política criou um terreno fértil para a corrupção, que, por sua vez, corrói a honestidade individual. Na Europa, especialmente no norte, a estabilidade institucional e a valorização da transparência fortaleceram uma cultura de integridade. Contudo, exceções como Grécia e Romênia indicam que fatores locais podem alterar esse padrão.

Estudos como os de Gäechter e Schulz e da Universidade de East Anglia sugerem que a solução para a cultura da desonestidade não reside apenas em punições, mas na construção de instituições robustas e na promoção de normas sociais que rejeitem a corrupção. Para a América do Sul, isso implica enfrentar legados históricos e desigualdades estruturais, enquanto na Europa o desafio é manter a confiança nas instituições diante de crises emergentes.

Referências Bibliográficas

GÄECHTER, Simon; SCHULZ, Jonathan. Intrinsic honesty and the prevalence of rule violations across societies. Nature, v. 531, p. 1-5, 2016. DOI: 10.1038/nature17160.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 107-130.

UNIVERSIDADE DE EAST ANGLIA. Honesty: estudo mede o valor em 15 países. Norwich: UEA, 2015. Disponível em: https://www.uea.ac.uk. Acesso em: 13 mar. 2025.

DW. Sociedade corrupta estimula desonestidade, diz estudo. Deutsche Welle, 10 mar. 2016. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/sociedade-corrupta-estimula-desonestidade-diz-estudo/a-19107253. Acesso em: 13 mar. 2025.

TERRA. Sociedade corrupta estimula desonestidade, diz estudo. Terra, 10 mar. 2016. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/sociedade-corrupta-estimula-desonestidade-diz-estudo. Acesso em: 13 mar. 2025.



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