Maquiavel e o Brasil de 2025: Virtù, Fortuna e o Jogo do Poder

Nicolau Maquiavel
📷Nicolau Maquiavel © Reprodução
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Nicolau Maquiavel, o pensador florentino do século XVI, é frequentemente lembrado como o pai do realismo político. Em sua obra mais célebre, O Príncipe, ele oferece um guia pragmático para a conquista e manutenção do poder, desprovido de idealismos morais e ancorado na observação crua da natureza humana e das circunstâncias históricas. Suas ideias centrais - a virtù (habilidade e iniciativa do governante), a fortuna (o acaso ou as condições imprevisíveis) e a necessidade de adaptar-se às circunstâncias - reverberam de maneira surpreendente na atual conjuntura política brasileira. Em 2025, o Brasil vive um momento de polarização, instabilidade econômica e desafios institucionais que parecem ecoar as lições maquiavélicas. Neste artigo, exploraremos como esses conceitos podem iluminar o cenário político nacional.


A Virtù e a Liderança no Brasil Atual

Para Maquiavel, a virtù é a capacidade de um líder de moldar os eventos a seu favor, demonstrando astúcia, audácia e pragmatismo. No contexto brasileiro de 2025, essa qualidade parece ser tanto uma demanda quanto uma raridade. Após anos de crises sucessivas - econômicas, sanitárias e políticas -, os líderes nacionais enfrentam o desafio de consolidar sua autoridade em um ambiente fragmentado. O atual governo, independentemente de sua inclinação ideológica, precisa lidar com uma oposição feroz, uma opinião pública dividida e uma economia que oscila entre promessas de recuperação e riscos de retrocesso.

Um exemplo claro disso seria a habilidade (ou a falta dela) em negociar com o Congresso Nacional, uma arena que Maquiavel certamente reconheceria como um campo de batalha de interesses. O governante brasileiro que deseja manter o poder deve ser, nas palavras de Maquiavel, "raposa para conhecer os laços, e leão para aterrorizar os lobos" (Maquiavel, 2010, p. 84). Em 2025, isso se traduz em alianças estratégicas com partidos de centro, concessões calculadas e, por vezes, o uso de medidas populistas para aplacar a insatisfação social - ações que, embora possam ser criticadas como oportunistas, refletem o pragmatismo maquiavélico.

A Fortuna e os Ventos da Crise

A fortuna, para Maquiavel, é o elemento imprevisível da política, comparada a um rio que pode trazer prosperidade ou destruição. Ele escreveu: "A fortuna é mulher, e para mantê-la submissa é necessário bater nela e oprimi-la" (Maquiavel, 2010, p. 123), sugerindo que o líder deve buscar controlar o acaso tanto quanto possível. No Brasil de hoje, ela se manifesta nas variáveis que escapam ao controle dos governantes: oscilações no mercado global, mudanças climáticas impactando o agronegócio e a volatilidade das redes sociais como termômetro da opinião pública. Maquiavel argumentava que, embora a fortuna não possa ser dominada completamente, o líder sábio constrói "diques e barreiras" para mitigar seus efeitos (Maquiavel, 2010, p. 119).

Em 2025, vemos um governo que precisa responder a esses desafios com rapidez e visão estratégica. A dependência de commodities, como soja e minério de ferro, sujeita o país aos caprichos da demanda internacional. Paralelamente, eventos como enchentes ou secas extremas - cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas - testam a capacidade de resposta do Estado. Um líder maquiavélico não apenas reagiria a essas crises, mas as usaria como oportunidades para fortalecer sua imagem, seja por meio de ações enérgicas ou de narrativas que canalizem o descontentamento popular em seu favor.

O Fim Justifica os Meios: Ética e Política no Brasil

Talvez o princípio mais associado a Maquiavel seja a ideia de que "os fins justificam os meios", uma máxima que ele nunca escreveu textualmente, mas que sintetiza sua visão de que a moral tradicional pode ser subordinada à necessidade de manter o poder. No Brasil de 2025, essa lógica parece permear tanto o discurso quanto às ações políticas. Escândalos de corrupção, promessas não cumpridas e alianças improváveis entre antigos adversários são sintomas de um sistema onde a sobrevivência política muitas vezes prevalece sobre os ideais.

Por exemplo, a formação de coalizões heterogêneas no Congresso, que unem partidos de espectros ideológicos opostos, reflete a necessidade de estabilidade acima de coerência programática. Da mesma forma, o uso de narrativas polarizadoras nas redes sociais - sejam elas de esquerda ou direita - busca galvanizar apoiadores, mesmo que isso signifique sacrificar o diálogo ou a verdade factual. Maquiavel aprovaria tais estratégias, desde que fossem eficazes em assegurar o controle e a ordem, pois, como ele escreveu, "é melhor ser temido que amado, se não se puder ser ambos" (Maquiavel, 2010, p. 82).

O Príncipe Brasileiro: Um Reflexo de Maquiavel?

Se Maquiavel escrevesse O Príncipe para o Brasil de 2025, talvez recomendasse um líder que combinasse carisma popular com astúcia tática, alguém capaz de navegar entre a virtù e a fortuna sem se prender a escrúpulos excessivos que, na verdade, reflete perfeitamente o atual “líder” brasileiro. O cenário atual, com sua mistura de crises estruturais e demandas por renovação, exige um governante que entenda o que Maquiavel chamava de "qualidade dos tempos" - isto é, a percepção de quando agir com força, quando recuar e quando seduzir (Maquiavel, 2010, p. 121).

No entanto, o pensamento maquiavélico também nos alerta para os riscos. Um líder que depende demais da manipulação ou da força bruta, sem construir uma base sólida de legitimidade, pode cair tão rápido quanto subiu. No Brasil, onde a desconfiança nas instituições permanece alta, o equilíbrio entre ser temido e amado - outro dilema clássico de Maquiavel - é mais delicado do que nunca.

Considerações Finais

A política brasileira em 2025, com suas tensões e contradições, oferece um terreno fértil para revisitarmos Maquiavel. Suas ideias nos lembram de que o poder não é um exercício de virtude abstrata, mas uma dança complexa entre habilidade, sorte e pragmatismo. Seja na gestão de crises, na construção de alianças ou na conquista do apoio popular, os líderes brasileiros de hoje enfrentam desafios que ecoam os conselhos do florentino. Resta saber se encontrarão a virtù necessária para domar a fortuna - ou se sucumbirão aos caprichos de um jogo que Maquiavel conhecia tão bem.

Referência Bibliográfica

Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Julia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

Por: Walter Fontenele - Graduado em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI - 2021


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