Pé-de-Meia: Oposição denuncia Lula à PGR após UOL revelar ilegalidades
📷Lula e Camilo Santana © Reprodução |
A oposição denunciou o presidente Lula (PT) à PGR (Procuradora-Geral da República) por crime de responsabilidade após o UOL revelar ilegalidades no programa Pé-de-Meia.
Como mostrou a reportagem, o MEC (Ministério da Educação) opera a política pública fora do Orçamento da União, o que é ilegal. O último pagamento ocorreu a cinco dias das eleições. O UOL apurou que foram desembolsados R$ 658,4 milhões para 3 milhões de estudantes.
O presidente Lula anunciou nesta quinta (17) a expansão do programa num evento na Bahia. Questionado sobre a reportagem do UOL, não comentou. O MEC segue sem explicar os pagamentos por fora do orçamento (leia mais abaixo).
O Pé-de-Meia é pago para alunos de baixa renda do ensino médio como forma de evitar a evasão escolar. Ao longo de três anos, os beneficiários recebem até R$ 9.200 (nove parcelas de R$ 200 por mês; R$ 200 por taxa de matrícula, R$ 1.000 ao final de cada ano e R$ 200 para quem fizer o Enem).
Não há cobrança por notas. Basta o aluno comprovar frequência de 80%, regra que o MEC também está desconsiderando. Se houver reprovação, o aluno deixa de participar, mas não precisa devolver os valores recebidos ao longo do ano.
Crime de responsabilidade
A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) ingressou na Procuradoria-Geral da República mencionando os artigos 85 e 167 da Constituição, que definem como crime de responsabilidade atos do presidente que atentem contra a Constituição e a lei orçamentária.
Cabe à PGR decidir se abre investigação preliminar.
"Ao iniciar a execução do programa Pé-de-Meia sem a aprovação de um crédito adicional que incluísse o programa no orçamento, o presidente violou o disposto no artigo 167 da Constituição Federal e o artigo 10 da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que o pagamento dos benefícios não estava devidamente previsto e autorizado pelo Congresso", registrou a parlamentar.
O Ministério Público junto ao TCU também entrou com representação para que os ministros concedam uma cautelar suspendendo os repasses enquanto perdurar a manobra.
No Senado, a Comissão de Assuntos Econômicos pautou um requerimento da senadora Damares Alves (Republicanos) para convocar o ministro Camilo Santana (Educação) a dar explicações.
A manobra
Como mostrou o UOL, o presidente Lula chegou a vetar o trecho da lei do Pé-de-Meia que obriga a inclusão do que será gasto com o programa no orçamento, mas o Congresso derrubou o veto.
Na prática, nem seria necessário incluir o trecho na lei, uma vez que a manobra já era vedada pela Constituição e a LRF.
Mesmo assim, o governo já liberou R$ 3 bilhões por fora do orçamento. Os recursos estão num fundo privado, chamado Fipem, administrado pela Caixa. O único "titular" da conta é o ministro Camilo Santana.
Consequências
"Quando o recurso está dentro do orçamento, você tem que seguir as regras orçamentárias para utilizá-lo. A regra é mais rígida para gasto público", explica José Maurício Conti, professor de direito financeiro da USP.
Especialistas e professores de direito financeiro e orçamento público ouvidos pelo UOL apontam as consequências da ilegalidade:
O Congresso não participa da alocação dos recursos públicos. Poderia aplicar parte dos valores, por exemplo, em outras políticas que ele, juntamente com o poder Executivo, julgasse mais meritórias.
O registro da despesa não é feito por intermédio dos sistemas oficiais de contabilidade. Não é possível acompanhar dia a dia a execução das despesas. Apenas a Caixa e o MEC, por exemplo, sabem quanto foi pago no dia da eleição.
Diminui a capacidade dos órgãos de controle de fazer auditoria sobre os gastos, uma vez que as informações estão espalhadas.
Cria dificuldades do ponto de vista da política monetária pelo fato de os recursos não estarem centralizados na conta única do governo.
Gera uma impressão falsa de que o orçamento é menor do que realmente é. O governo se queixa de pouca margem de manobra sobre o orçamento, mas não informa que grande parte dos dispêndios relacionados a políticas públicas está sendo operada fora do orçamento, sem participação do Congresso.
Transparência zero
O MEC também fere a lei do Pé-de-Meia ao não divulgar quantos alunos foram beneficiados, de quais cidades, escolas e os nomes dos estudantes, o que dificulta a fiscalização do programa.
Em resposta a requerimentos de informações de deputados e pedidos de Lei de Acesso à Informação, o MEC alega que a divulgação esbarra na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
O artigo 16 da lei que criou o Pé-de-Meia, contudo, diz que:
"A relação dos estudantes contemplados com o incentivo financeiro-educacional de que trata esta Lei será de acesso público, divulgada em meio eletrônico e em outros meios."
O único dado disponível - e divulgado pela Caixa, não pelo MEC - é quanto foi pago por mês, sem relacionar nem mesmo o número de alunos.
Véspera da eleição
O UOL revelou que, na semana da eleição, entre os dias 30 de Setembro e 7 de outubro (a votação foi no dia 6), o MEC mandou pagar até mesmo mais do que uma parcela de R$ 200 para 105.147 alunos.
Uma delas referente a taxa de matrícula. O MEC não explica por que pagou a taxa de matrícula, geralmente feita em janeiro, apenas na véspera das eleições. Assim como não informa quem são ou de onde são esses alunos contemplados.
O governo também não justifica a definição do calendário coincidir com a semana da eleição.
O que diz o MEC
O UOL tenta ouvir o MEC há duas semanas. Somente hoje, após o presidente Lula ser questionado e a oposição acionar a PGR, o TCU e convocar o ministro, a assessoria enviou uma nota a respeito.
O MEC afirma que o Congresso aprovou no orçamento de 2023 o repasse de R$ 6,1 bilhões para o fundo privado onde está aplicado o dinheiro do Pé-de-Meia.
Ocorre que a legislação prevê a inclusão no orçamento das duas ações:
1) quanto o governo vai transferir para o fundo privado (Fipem), operação chamada de integralização de cotas.
2) os valores que serão sacados no ano corrente para o pagamento dos beneficiários. Ou seja, quanto o governo vai tirar do fundo para pagar os alunos.
O MEC pediu autorização do Congresso apenas para a primeira ação, ainda em 2023, algo que nunca foi questionado pela reportagem. Mas não pediu autorização em 2024 para sacar os recursos que pretendia repassar aos alunos. É nesse ponto que os técnicos dizem que infringiu a lei.
Com isso, o MEC não incluiu a despesa na lei orçamentária. É como se gastasse sem registrar na contabilidade e por conta própria.
Por Andreza Matais (uol)
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