A Permanência dos Palanques: Reflexões sobre o Tempo da Política e a Polarização Contemporânea

Palanque eleitoral
📷Palanque eleitoral © Reprodução
🏠Parnaíba (PI)

Definição e evolução do conceito, com foco nas mudanças observadas no "tempo da política" ao longo.

O tema o "tempo da política" é de grande relevância para o estudo das interações sociais e da vida pública contemporânea, especialmente em sociedades democráticas, onde o ciclo eleitoral define ritmos de disputas e formas de participação política. No livro "Do Lado de Cá & Do Lado de Lá", Clodson dos Santos Silva explora essa noção a partir de uma análise crítica sobre como o tempo da política, tradicionalmente restrito ao período eleitoral, tem se tornado uma constante na vida social e política.

A abordagem de Silva (2012) é um reflexo das mudanças profundas que afetam o cenário político brasileiro e internacional nas últimas décadas. A tese central do autor é a de que, de um tempo para cá, os "palanques" políticos que outrora eram desmontados após as eleições agora permanecem erguidos permanentemente. O efeito disso é uma intensificação das disputas e rixas entre grupos políticos, que extrapola o período eleitoral e invade o cotidiano das relações sociais.


A análise de Silva (2012) é complementada por outras importantes contribuições no campo da sociologia política, como as de Palmeiras (1997) e Heredia (2010), que discutem a transformação do espaço público e o prolongamento do "tempo eleitoral". Este artigo busca explorar esse conceito, ampliando a discussão sobre as implicações sociológicas do tempo da política.

O Conceito de Tempo da Política

No contexto tradicional, o tempo da política é um intervalo temporal demarcado pelos períodos eleitorais, ou seja, aqueles momentos em que os partidos políticos, candidatos e eleitores se engajam mais intensamente em debates, reuniões, caminhadas, carreatas e campanhas eleitorais. Esse tempo, caracterizado pela efervescência política e pelas disputas de poder, geralmente termina - ou deveria terminar - com a apuração dos votos e a instalação de novos governantes.

No entanto, como Silva (2012) argumenta, a linha entre o tempo da política e o tempo ordinário da vida social está cada vez mais tênue. O que era visto como uma fase específica da vida democrática tem se estendido para além do ciclo eleitoral, fazendo com que as rivalidades e polarizações associadas ao período eleitoral se tornem uma constante.

Heredia (2010) descreve essa expansão do tempo político como uma "crise de temporalidade democrática", em que o espaço para debate público racional se encurta diante da manutenção contínua das disputas. Segundo ela, a sociedade passa a viver num constante "estado de campanha", o que reforça o antagonismo entre grupos políticos, criando um ambiente de permanente tensão e hostilidade.

A Influência dos Meios de Comunicação e das Redes Sociais

Um fator fundamental para entender essa transformação é o papel dos meios de comunicação e das redes sociais, que ampliam a visibilidade e a permanência dos discursos políticos. Palmeiras (1997) já apontava, na década de 1990, que a televisão e outros veículos midiáticos criavam uma sensação de que o tempo eleitoral estava sendo ampliado. Com a chegada das redes sociais, essa dinâmica se intensificou exponencialmente.

As plataformas digitais, como por exemplo, Facebook, Twitter, e Instagram tornaram-se arenas permanentes de debates e confrontos políticos. Como Silva (2012) sugere, as redes sociais não apenas prolongam o tempo de campanha, como também criam novas formas de mobilização política que operam 24 horas por dia. A política, nesse novo contexto, deixa de ser algo restrito ao espaço público formal e passa a invadir o espaço privado dos indivíduos, levando a disputas entre amigos, familiares e colegas de trabalho.

Esse fenômeno é descrito por Heredia (2010) como a "personalização da política", onde os indivíduos se tornam diretamente envolvidos nas disputas políticas de maneira emocional e subjetiva. Isso resulta em um ambiente onde a política permeia todas as dimensões da vida social, desde as interações mais íntimas até os debates públicos, criando uma sensação de que o tempo da política nunca acaba.


Implicações Sociais do Tempo Político Permanente

A permanência dos palanques políticos, conforme descrito por Silva (2012), tem consequências profundas para as relações sociais. Primeiramente, ela aprofunda a polarização política, criando divisões rígidas entre diferentes grupos ideológicos. A política passa a ser uma questão de identidade, e não apenas de opinião, o que dificulta o diálogo e o compromisso entre indivíduos com diferentes visões.

Destarte, a continuidade das disputas eleitorais fora de época eleitoral intensifica o que alguns sociólogos chamam de "política do ressentimento". De acordo com Heredia (2010), a política do ressentimento ocorre quando as disputas políticas deixam de ser sobre programas ou projetos, e passam a ser sobre o reconhecimento e a validação das identidades dos participantes do debate. Nesse sentido, as brigas políticas deixam de ser racionais e passam a ser emocionais e identitárias, dificultando a construção de consensos.

Silva (2012) ressalta que essa mudança na temporalidade política também gera um fenômeno de "fadiga cívica", em que os cidadãos se sentem continuamente pressionados a participar de debates políticos, levando ao esgotamento emocional e à desilusão com o processo democrático. O efeito é a criação de uma atmosfera de permanente mobilização, que dificulta o distanciamento necessário para o exercício reflexivo da cidadania.

A Erosão do Espaço Público

A extensão do tempo da política e a permanência dos palanques eleitorais também resultam na erosão do espaço público, que é um conceito central na teoria política. Para autores como Hannah Arendt, o espaço público é o lugar onde os indivíduos se encontram como iguais para discutir e deliberar sobre assuntos de interesse comum. No entanto, com a polarização exacerbada e a expansão do tempo da política, o espaço público se torna um campo de batalha, onde o diálogo é substituído pela retórica da guerra.

Heredia (2010) alerta para o fato de que essa erosão do espaço público compromete a própria ideia de democracia deliberativa. Em vez de promover o debate racional e o entendimento mútuo, o prolongamento do tempo eleitoral transforma o espaço público em um lugar de intransigência e confronto, onde o objetivo não é mais convencer o outro, mas derrotá-lo simbolicamente.

Conclusão

Silva (2012), oferece uma análise crítica e pertinente sobre o fenômeno da permanência do tempo da política, um tema que tem se tornado cada vez mais relevante no contexto das democracias contemporâneas. A transformação do tempo político, descrita por Silva, Palmeiras e Heredia, representa uma mudança profunda na maneira como a política é vivenciada e entendida nas sociedades atuais.

Ao manter os palanques eleitorais permanentemente erguidos, a sociedade perde a capacidade de criar espaços de diálogo e conciliação, resultando em uma polarização permanente e na intensificação das disputas políticas. As implicações disso são vastas, desde a fadiga cívica até a erosão do espaço público, sugerindo que novos arranjos políticos e sociais são necessários para enfrentar esse desafio.

Referências

Heredia, Beatriz. A Crise da Temporalidade Democrática: Política e Polarização nas Redes Sociais. Rio de Janeiro: Editora XYZ, 2010;

Palmeiras, M. O Prolongamento do Tempo Eleitoral: Mídia e Política no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora ABC, 1997;

Silva, Clodson dos Santos. Do Lado de Cá & Do Lado de Lá: O Tempo da Política e a Polarização Contemporânea. Salvador: Editora Ponto Final, 2012.

Por Walter Fontenele | Portalphb

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