Memórias dos Primórdios do Futebol de Parnaíba

Estádio Petrônio Portela
📷Estádio Petrônio Portela © Reprodução
🏠Parnaíba (PI)

Artigo de Walter Fontenele (Graduado Antropologia).

RESUMO

Buscamos com este artigo demonstrar como o futebol chegou ao país e mais especificamente a Parnaíba, o berço do futebol piauiense. Enveredamos por uma pesquisa contextualizada do século XIX até os dias atuais, tendo como objetivo principal caracterizar (através de pesquisas exploratórias e com a leitura de documentos históricos) e traçar um mapa das atividades futebolísticas das duas primeiras equipes de futebol do Piauí, o Parnahyba Sport Club e o Internacional Athletic Club, dois times criados no inicio do século XX. Concluímos que os grupos de jogadores que juntos formavam os times de Zeca Correia e de Septimus Clark foram os primeiros praticantes do futebol no Piauí, sendo que uma dissidência entre os membros foi o estopim para a criação do Internacional e do Parnahyba e, posteriormente, para a construção dos dois primeiros estádios de futebol em solo piauiense, construídos pelo Grupo Moraes e pela Casa Inglesa. Com a extinção do Internacional, o Parnahyba seguiu sua carreira de destaque, sendo vencedor em vários campeonatos, ao longo de mais de 100 anos de existência.
Palavras-chave: Parnahyba, Internacional, futebol, Zeca Correia, Septimus Clark.

ABSTRACT

With this article, we seek to demonstrate how football arrived in the country and more specifically in Parnaíba, the birthplace of football in Piauí. We embarked on a contextualized research from the 19th century to the present day, with the main objective of characterizing (through exploratory research and reading historical documents) and drawing a map of the football activities of the first two football teams in Piauí, Parnahyba Sport Club and Internacional Athletic Club, two teams created at the beginning of the 20th century. We conclude that the groups of players that together formed the teams of Zeca Correia and Septimus Clark were the first soccer practitioners in Piauí, and a dissidence between the members was the trigger for the creation of Internacional and Parnahyba and, later, for the construction of the first two football stadiums on Piauí soil, built by Grupo Moraes and Casa Inglesa. With the extinction of Internacional, Parnahyba continued its distinguished career, winning several championships, over more than 100 years of existence.
Keywords: Parnahyba, Internacional, football, Zeca Correia, Septimus Clark.

1. INTRODUÇÃO

Na antiguidade existia um esporte que, assim como o futebol, era praticado com o uso de uma bola, que era chutada com os pés. No século III A.C o aniversário do Imperador chinês era comemorado com uma partida de “Tsu-chu”, um esporte disputado com uma bola de couro e que teria sido criado com fins de treinamento militar. Esporte com as mesmas características existia também no Japão (Kemari), na Grécia (Epyskos), em Roma (Haspatum), na Bretanha e Normandia (soule) e na Itália (cálcio), “que era praticado na Praça de Florença” (MILLS, 2005, p. 19). Todavia, a primeira partida de futebol, com as características do que se joga na atualidade, aconteceu em 19 de Dezembro de 1.863, entre as equipes de Barnes e Richmond. O jogo terminou 0 x 0. As regras utilizadas para essa partida e as seguintes foram criadas pelo inglês, Ebenezer Cobb Morley (1831-1924) e alguns amigos. Estava assim criado o “Football Association” (FRANCISCO, 2010, v. 9, p. 74).

Em Julho de 1.884, com apenas 10 anos de idade, o paulista Charles Miller (1874-1953) e seu irmão, Jonh Henry, desembarcaram na cidade de Southampton, para completar seus estudos. Naquela época, o futebol já era uma atividade recreativa que reunia times formados por jovens de várias escolas da Inglaterra. Miller e Jonh se integraram rapidamente a prática do futebol, mostrando um talento natural para o esporte, o que fez o professor da Banister Court School elogiar o talento de Miller, em conversa com o treinador da equipe:

Temos aqui na escola vários bons garotos que levam jeito para o futebol, especialmente um chamado Charles Miller, que veio do Brasil e parece ter nascido para esse jogo. Um talento raro é ouro puro. É artilheiro nato e recomendo sua escalação. Não vai se arrepender (MILLS, 2005, p. 25).

Charles Miller e seu irmão foram protagonistas na prática do futebol na Inglaterra. Em sua despedida, Miller, foi reverenciado por uma revista publicada pela Banister Court School:

O treinamento da vida não visa somente o sucesso nas provas acadêmicas. Ele almeja formar homens de caráter firme e confiantes, e esse homem, não tenho duvida em afirmar, foi encontrado em uma pessoa que acaba de partir. Charles Miller não foi somente um esplêndido jogador, mas organizou todas as atividades esportivas da escola até o dia de embarcar. Também se interessou muito pela organização do futebol do Condado de Hampshire. Essa eficiência, ou melhor, altruísmo e perseverança são o que leva um homem a ter sucesso na vida (MILLS, 2005, p. 29).

Em Outubro de 1.894, Charles Miller retornou ao Brasil trazendo em sua bagagem: duas bolas, uma bomba, duas camisas, uma do Banister e outra do St. Mary, um par de chuteiras e um livro contendo as regras da “Football Association”, esporte que ele iria organizar no país, o que o tornaria reconhecido no Brasil como o pai do futebol.

Todavia, a polêmica e a controvérsia fazem parte do futebol, até mesmo fora das quatro linhas. O historiador José Moraes dos Santos Neto (professor do Colégio Pio XII, em Campinas, São Paulo) revela em seu livro “Visão do Jogo - Os Primórdios do Futebol no Brasil” que o esporte teria sido trazido para o Brasil pelos Jesuítas. Para Neto (2002), o futebol já era praticado no Brasil desde a primeira metade da década de 1.880. O professor sustenta suas afirmações através de documentos obtidos nos acervos do Colégio São Luís, Mosteiro de Itaici e arquivos do Estado de São Paulo. O historiador esclarece ainda que o jogo praticado pelos Jesuítas e seus alunos era diferente do praticado pela “Football Association”, já que não havia divisão dos jogadores em times, o que só veio a acontecer com a chegada de Luís Yabar, Jesuíta que veio assumir a reitoria do Colégio São Luís:

Os padres introduziram duas pequenas marcas em paredes opostas do pátio e dividiram a turma em dois times, camisas verdes de um lado e camisas vermelhas de outro. O jogo passou a ter um objetivo concreto, isto é, levar a bola até a parede do time adversário e lavrar um tento fazendo bater no espaço delimitado pelas marcas (NETO, 2002, p. 18).

Segundo Neto (2002), o mito criado em torno de Charles Miller foi, em primeiro lugar, em decorrência das qualidades técnicas de Miller, que se destacou jogando futebol na Inglaterra; outra hipótese seria a inserção do futebol entre clubes da elite, o que ganhava obviamente muita visibilidade na imprensa da época; por fim, a força cultural dos grupos da elite “socialmente dominantes, contumazes inventores de tradições, bem como o fato de os primeiro arquivos sistematizados serem provenientes dos clubes e das ligas que os reuniam [...]” (NETO, 2002, p 32).

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Todavia, toda a polêmica em torno de quem introduziu o esporte no Brasil não impediu que o futebol acabasse se tornando o mais popular de todos os esportes. Não por acaso, é conhecido como o “esporte das multidões”. Além de sua enorme popularidade o futebol é ainda responsável pela movimentação anual de aproximadamente US$ 286 bilhões, vultosa soma que chega a ser maior do que o Produto Interno bruto (PIB) de muitos países, como por exemplo: Cuba (107,4 bilhões) e Paraguai (38,99). Todo esse volume gigantesco de dinheiro é movimentado pelas transferências de jogadores e pela divulgação de grandes empresas. Estima-se que aproximadamente 70% dos valores investidos em patrocínios, em âmbito mundial, sejam destinados ao futebol. Na Europa, por exemplo, dez das principais equipes do futebol mundial são responsáveis por US$ 2.436 bilhões, em contratos de publicidade.

Figura 01. © Walter Fontenele
Desde a sua implantação no Brasil, em 1.894, a história do futebol vem sendo objeto de pesquisa dos mais diferentes vieses que, às vezes, trazem à tona (muito por falta de documentação histórica confiável) novas informações que contrastam com o acervo cientifico já existente, sendo necessário ao pesquisador recorrer a memórias empíricas dos agentes sociais envolvidos. Todavia, esse processo é absolutamente normal e salutar para o debate cientifico. Para Narasimhan (2001),

[...] a natureza protraída de uma controvérsia a investe de um caráter histórico e a participação da comunidade dá a ela uma dimensão social crucial. [...] Assim, uma controvérsia congrega toda uma gama de forças que impulsiona a ciência para à frente (NARASIMHAN, 2001, p. 299).

Destarte, ao longo deste artigo nos deparamos com algumas “polêmicas” e informações controversas, com relação à história do futebol no Brasil e em Parnaíba. Com isso, esperando enriquecer ainda mais o acervo histórico de informações dos primórdios do futebol, com ênfase no nosso objeto de pesquisa, o futebol parnaibano.

Este artigo tem como objetivo principal a caracterização da implantação e desenvolvimento do futebol na cidade de Parnaíba, Norte do Estado do Piauí, com ênfase nas primeiras décadas do século XX. Com o ensejo de atingimos o objetivo principal do artigo, foi utilizado à metodologia de pesquisa exploratória (com caráter qualitativo e quantitativo) com a leitura de documentos históricos, teses de mestrados e doutorados e pesquisas de historiadores que se dedicam ao estudo do fenômeno do futebol, no Brasil e no mundo.

O presente artigo está dividido em três capítulos: 1º - Introdução (pequeno histórico sobre a criação do futebol na Inglaterra e no Brasil); 2º - O Berço do Futebol Piauiense (as minúcias da implantação do futebol em Parnaíba e seus desdobramentos: os primeiros amistosos do Parnahyba S.C e o litigio em torno do Estádio Petrônio Portela); 3º - Considerações Finais (abordagem final acerca dos objetivos e do tema com os seus respectivos resultados).

2. O BERÇO DO FUTEBOL PIAUIENSE

A cidade de Parnaíba, distante 338.2 quilômetros da capital do Estado do Piauí, Teresina, foi o berço do futebol piauiense, uma década após a chegada de Charles Miller ao Brasil. Os primeiros passos desse pioneirismo foram dados segundo Antônio Castello Branco Clark, “com a primeira bola de Foot-Ball chegada no inicio do século XX ao Piauí e que foi presente de Mr. James, da firma Chamberlain Donner & Cia, da cidade de Manchester, na Inglaterra e que deu origem aos futuros clubes do Parnahyba e do Internacional” (ALMANAQUE DA PARNAIBA, 1974, p. 225). Antônio Castello Branco Clark (a quem a bola foi oferecida como presente) era filho de James Frederic Clark e irmão de Septimus Castello Branco Clark, um dos pioneiros do futebol no Piauí e fundador do Internacional Athletic Club, que teve as cores do seu uniforme inspiradas no Liverpool F. C (de Liverpool, na Inglaterra, hexacampeão da “Champions League”), sendo a “camisa vermelha com gola e punhos brancos, tendo ao peito esquerdo o emblema do clube, calção branco, meias vermelhas e brancas, listradas na vertical, e chuteiras pretas” (REBELO, 1984, p 62).

No século XIX, a cidade de Parnaíba vivia o seu auge econômico, devido principalmente ao comércio de produtos (charque, couro...) com vários países da Europa. Esse intercâmbio comercial abriu as portas para a implantação na região de empresas sediadas na Inglaterra. Assim, “Booth-Line e Casa Inglesa, ambas com matriz na cidade de Liverpool, na Inglaterra” (CERQUEIRA, 2016) se instalaram em Parnaíba, com filiais em vários outros Estados. Segundo o cronista Goethe Pires de Lima Rebelo,

[...] Por essa época, existiam em Parnaíba agências de duas importantes firmas inglesas, com ramificação em todo o Norte e Nordeste do Brasil: Casa Inglesa e Booth-Line, ambas com sede em Liverpool, Inglaterra. O gerente e sócio da Casa Inglesa o Sr. James Frederic Clark, pai do jovem Septimus, possuía em seu Quadro de funcionários o cidadão inglês chamado Leonard Haynes; a Booth-Line era gerida pelo jovem Mister Juliam Clissold e contava no seu quadro de funcionários com o cidadão inglês, Mister Anderson. (REBELO: s/d, p.61).

O intercâmbio de Parnaíba com a Europa (Inglaterra, Alemanha, Portugal, França...) proporcionou a imigração de ingleses para o litoral piauiense e a emigração de filhos da elite parnaibana, que eram enviados para estudarem na Europa. Foi numa dessas emigrações que José de Moraes Correia, mais conhecido como Zeca Correia, viajou para concluir seus estudos nas cidades de Lisboa (Portugal) e Ilkley (Inglaterra), aonde manteve contato com o futebol, esporte que se tornava a cada dia mais popular entre os jovens estudantes ingleses. Zeca Correia - a exemplo de Charles Miller - ao retornar ao Brasil trouxe na bagagem alguns equipamentos de futebol e a vontade de desenvolver o esporte em Parnaíba. Os novos hábitos e costumes adquiridos pelos parnaibanos e pelos os ingleses residentes em Parnaíba foram responsáveis pela organização de “um grupo de admiradores do futebol que, com mais alguns rapazes da terra, davam para formar dois times” (REBELO: 1984 p. 61).

Todavia, para Nestor Veras, Intendente Municipal, em 1.920, há controvérsias com relação a quem iniciou o futebol em Parnaíba. Segundo ele, foi “graças à iniciativa de vários e esforçados moços da empresa de vapores Booth-Line” (SILVA, 2010, p. 2018). A informação de Nestor Veras não é totalmente contrastante, já que funcionários das empresas inglesas instaladas em Parnaíba faziam parte do grupo inicial de jogadores, antes mesmo da formação do Parnahyba e do Internacional, porém, a materialidade da implantação do futebol em Parnaíba foi segundo Batista (2017), “através de Septimus Clark e Zeca Correia ainda no século XX, onde logo se espalhou em diversas comunidades da Capital do delta” (BATISTA, 2017, p. 11).

Zeca Correia retorna à cidade de Parnaíba em 1.913. Nesse mesmo ano, Zeca, seu irmão, Ozias, e alguns amigos se reúnem numa sessão solene realizada em 1º de Maio de 1.913. Ao final da sessão, estava oficialmente fundado o Parnahyba Sport Club, o 2º clube de futebol do Piauí. O Parnahyba “adotou a camisa branca com gola e punhos brancos, tendo ao peito o escudo do clube, calções azuis, meias e chuteiras pretas” (REBELO: s/d, p. 62). As cores (azul e branca) eram uma referência ao Everton, clube inglês e grande rival do Liverpool que, em 1.901, adotou a cor azul, sendo, desde então, apelidado de “the blues”, os azuis, em tradução literal. A primeira diretoria do Parnahyba Sport Club ficou assim definida: “Zeca Correia, Ozias de Moraes Correia, Colibri Alves, Oton Ramos, Hilton Lopes, José Leite e Mário Reis” (CARVALHO, 2015). Com relação a essa informação, João Batista de Oliveira Nascimento em seu livro “Parnaíba Terra do Futebol” esclarece que, “não há nenhum dado de Colibri Alves, Oton Ramos, José Leite e Mário Reis como diretores; certeza, apenas, quanto a Ozias Correia e duvidas no referente ao Hilton Lopes” (BATISTA, 2017, p. 35).

A rivalidade existente na sociedade parnaibana entre os imigrantes europeus e os filhos da elite econômica local cresceu ainda mais com a chegada do futebol. Naquela época, o futebol era um esporte elitista e praticado na Europa quase que exclusivamente por pessoas de famílias ricas. Em Parnaíba, o futebol cresceu com a união de dois estratos sociais, a elite e os “rapazes da terra” (CERQUEIRA, 2016), que eram parnaibanos e ingleses que trabalhavam no comércio local. No inicio, os times eram formados pouco antes do pontapé inicial, como ocorre ainda hoje nas “peladas”, disputadas nas várzeas.

No inicio do século XX ainda não existiam estádios de futebol no Piauí. Assim, era necessário improvisar um local para as partidas entre os dois primeiros grupos de futebolistas de Parnaíba. O Dr. Antônio Castelo Branco Clark deixou parte de suas memórias em um artigo publicado no Almanaque da Parnaíba, do ano de 1.974:

As ruas, sem calçamento, arenosas, serviam de campo para a disputa de peladas homéricas As nossas peladas eram o pavor do barbeiro Araújo, cujo salão era constantemente invadido pela bola (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1974, p.225).

As partidas eram disputadas “aos Domingos e em caráter de empolgar os torcedores” (REGO, 2010, p. 27, apud BRITO, 2013, p. 27) na parte central da cidade (atualmente Praça Santo Antônio) “com seus frondosos e exuberantes pés de oitis, em frente às casas do médico Dr. Cândido Ataíde e do dentista Dr. Ambrósio”. (CARVALHO, 2015). Durante algum tempo, a Praça Santo Antônio foi o local escolhido para a realização de Campeonatos sendo, posteriormente proibido por Sebastião Hermes de Seixas, que foi o Intendente Municipal de Janeiro de 1.896 a Dezembro do mesmo ano. (REGO, 2010, p. 217). Para João Batista de Oliveira Nascimento (2013), há controvérsias quanto à afirmação dos primeiros jogos terem sidos disputados na Praça Santo Antônio. Segundo ele,

[...] Lembro-me de que o saudoso amigo Mário dos Santos Carvalho, ao atravessarmos, certa vez, a Praça da Graça, me falou que, muitas e muitas vezes, teve oportunidade de ali jogar, quando ainda havia um bambual (situado, mais ou menos, em frente ao local onde funciona, de certo tempo a esta parte, agência local da Caixa Econômica e, perto dele uma lagoa denominada de “Da Onça”. Isso deve parecer significar que tais competições devem ter sido disputadas neste local e, não, onde, mais tarde, seria construída a Praça Santo Antônio. (NASCIMENTO, 2013, p. 36).

Para Cleto Sandys Nascimento de Sousa - que defendeu sua tese de doutorado pesquisando as publicações do Almanaque da Parnaíba - “as primeiras partidas foram realizadas em campo improvisado na Praça Santo Antônio, entre os times Camisa Branca e Camisa Azul” (SOUSA, 2018, p. 61).

Apesar das informações desencontradas, nada impede que as primeiras partidas do embrião do nosso futebol fossem praticadas na Praça Santo Antônio, na Praça da Graça ou em qualquer outro terreno baldio, que eram muitos, na Parnaíba do inicio do século XX.

Até esse momento, os pioneiros do futebol de Parnaíba formavam os times poucos minutos antes das partidas. Não havia rivais. Assim, o grupo se dividia em dois times: “Camisa Azul” e “Camisa Branca” (CARVALHO, 2015). Essa formação dos times foi “uma ideia magistral. Estava vitorioso o futebol em Parnaíba”. Porém, com o passar do tempo, houve uma cisão no grupo. “Dessa divisão, Septimus Clark funda em Junho de 1.912 o International Athletic Club e em 1º de Maio de 1913, Zeca Correia cria o Parnahyba Sport Club” (SILVA, 2018, p. 219). A partir desses acontecimentos, Parnaíba passaria a ter as suas duas primeiras equipes de futebol, o Internacional Athletic Club e o Parnahyba Sport Club (CARVALHO, 1988, p. 4).

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Os resquícios dessas “peladas homéricas” (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1974) sobrevivem ainda no imaginário de alguns atores sociais que mantiveram - até as décadas de 70 e 80 - a tradição de jogar futebol, na Praça Santo Antônio. A modalidade, salvo raras exceções, era o “golzinho”, com as dimensões da quadra marcadas no piso da Praça. O grupo era coeso e ficava ainda mais encorpado quando os “rapazes de fora” retornavam de férias a Parnaíba. Em 2.014, foi organizado um encontro com alguns dos membros do grupo, para relembrar os momentos de lazer e do futebol de outrora.

A proibição do Intendente Municipal que “acabou” com o futebol na praça e a desavença no grupo fomentaram a necessidade de estruturação para suas equipes, sobretudo no tocante a construção de um local realmente apropriado para as partidas de futebol. Assim, Zeca Correia (Grupo Moraes) construiu o campo do Parnahyba Sport Club, na Avenida Capitão Claro, no local em que hoje funciona o Colégio São Luiz Gonzaga Diocesano (CARVALHO, 2015) e Septimus Clark (Casa Inglesa) construiu o Estádio do Internacional, hoje CT Petrônio Portela. José de Nicodemos Alves Ramos (2018) esclarece que,

Existia o estádio do Parnahyba Sport Club, que pertencia ao grupo econômico Moraes S/A. Era idêntico ao do Internacional Athletic Club, o outro time da cidade, pertencente aos proprietários da Casa Inglesa. Esse, por sua vez, fora construído à semelhança do estádio existente na Rua das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, sede do Fluminense Football Club, time criado em 1902. [...] (RAMOS, 2018, p. 143).
Figura 02. Primeiro estádio do Parnahyba, atualmente Diocesano © Almanaque da Parnaíba (1.926).
O cronista do Almanaque da Parnaíba (edição de 1.928) descreve em detalhes as características estruturais do primeiro estádio do Parnahyba Sport Club:
[...] Construída sob os modernos preceitos de higiene e estética, a linda arquibancada fica situada à Avenida Capitão Claro, um dos pontos mais altos da cidade. Dominando o “ground” e toda a cidade, oferece ao espectador panorama belíssimo, horizontes amplos e longínquos, até as alvas dunas piauienses que ficam a léguas de distância, lá por onde se estendem as encantadoras praias do Atlântico. Sólida e luxuosamente edificada, se divide em dois andares: o térreo e o das arquibancadas. No primeiro, se destacam o salão de honra, o recinto dos troféus, a sala das “cabines” dos “players” ou de equipamentos, o compartimento em que se alojam os visitantes; e, no último, as arquibancadas propriamente ditas, que se destinam a assistência em dias de festas e torneios. É, no gênero, uma construção importante, que, por isso mesmo, honra o mundo esportivo piauiense, sendo, de tudo, uma das melhores no norte do país (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1928, p.38).

Já para Mário Carvalho na seção “Projeto Memória de Parnaíba” do Jornal Inovação de 1.988:

Possuía o mesmo um luxuoso salão para recepções, alojamento e dormitório para 22 atletas, dependência com armários individuais para guarda de material esportivo de duas equipes, dois banheiros coletivos com 3 chuveiros cada, 3 sanitários, um hall espaçoso e pasmem... uma quadra de tênis. Fora do campo central um bar construído de alvenaria com um WC. Parnaíba não possuía água encanada. Um possante cata-vento resolveu o problema, a grama do campo de Jogo vivia verdinha. Enfim tudo funcionava e o Parnaíba Sport Club começou a colecionar vitórias (CARVALHO, 1988, p. 4).

De acordo com pesquisas historiográficas e relatos de cronistas da época os dois estádios foram construídos com o mesmo estilo arquitetônico, similar ao do Fluminense, da cidade do Rio de Janeiro, e de muitos outros estádios espalhados pela Europa. O historiador, Diderot Mavignier, em sua obra “No Piahuy, na Terra dos Tremembés” esclarece que,

Os Clarks são responsáveis pela pratica do futebol no Piauí, trazendo, por volta de 1905, à primeira bola da Inglaterra e construindo, por volta de 1916, o Estádio do Internacional Athletic Club, hoje Estádio Petrônio Portela, uma moderníssima praça de esporte para a época. Nos mesmos idos e padrões, foi construído o Estádio do Parnahyba Sport Club, pelo grupo Moraes, no local onde hoje se encontra o Colégio Diocesano São Luiz Gonzaga (MAVIGNIER, 2005, p. 118).

O Estádio do Internacional Athletic Club foi construído na década de 1.920, a 1 km de distância do Estádio do Parnahyba Sport Club. Com estilo arquitetônico similar aos grandes da Europa, o Estádio do Internacional foi edificado com material adquirido na Inglaterra, transportado via mar até a cidade de Parnaíba, tendo sido - por alguns anos - uma das mais importantes praças esportivas do Nordeste, como bem frisou o cronista do Almanaque da Parnaíba, edição de 1.925. “Convém notar que o enorme campo de sports deste club é talvez o melhor do Norte do Brasil” (ALMANAQUE, 1925, p. 22).

Figura 03. Estádio do Internacional Athletic Club (©) Almanaque da Parnaíba (1926)
O Internacional disputou campeonatos entre 1.917 e 1.940, sagrando-se campeão em três oportunidades: 1921,1929 e 1930, se tornando assim, o grande rival do Parnahyba Sport Club. (BRASIL, 2016, p. 37).

Os Primeiros Amistosos do Parnahyba S.C.

A Liga Sportiva Parnaibana (LSP), a primeira entidade regulatória do futebol em Parnaíba, foi criada em 1.916. Naquela época, os campeonatos eram escassos, o que gerava oportunidades para a realização de amistosos, principalmente com clube do Ceará e do Maranhão. Esses amistosos eram geralmente disputados em partidas de ida-e-volta e se tornavam grandes atrações, para um público que já nutria paixão pelo futebol.

Os cronistas: Osvaldo dos Santos Brandão e João Maria Madeira Basto escreveram, no Almanaque da Parnaíba de 1.994, sobre a primeira excussão do Parnahyba Sport Club. A série de três jogos (duas vitórias e uma derrota) foi realizada no ano de 1.919, tendo como adversário o Luso-Brasileiro, de São Luís, do Estado do Maranhão. À frente da delegação estava Zeca Correia “secundado por Francisco de Sales Reis, Acrício Furtado, Euvaldo Antunes e Raimundo Chagas”. No elenco estavam: “Taufik Safadi, Mário Basto, Oton Ramos, Elias Reis, Mário Reis, Basílio Reis, José Correia, Aderson Ramos, Otávio Avelar, Milton Correia, Milton Ramos, Aziz Coury, Abdias Araújo, Leocádio Ribeiro e Otávio Almeida” (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1994, p. 18).

Em 1.920, o Parnahyba realizou as primeiras partidas amistosas interestaduais em seus domínios. O adversário foi o Foot-ball Athletic Club (FAC), campeão maranhense de 1.920 e extinto em 1.923. Na série de dois jogos o Parnahyba empatou o primeiro (2 x 2) e venceu o segundo (2 x 1). (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1994, p. 18). Nesse segundo confronto a partida foi interrompida antes do tempo regulamentar, quando o Parnahyba vencia por 2 x 1. De acordo com os jogadores do Foot-ball Athletic Club, o árbitro estava favorecendo o time da casa. A interrupção causou revolta no público presente e “o povo tentou levar a efeito esse fato de verdadeira selvageria, pois, todos os torcedores estavam munidos de facas e cacêtes”. Felizmente, nada de mais grave aconteceu e os jogadores da equipe maranhense saíram ilesos e escoltados pelas as autoridades presentes ao jogo. Para piorar a situação, Nestor Veras teria enviado uma carta a Delegação da equipe maranhense lamentando “que o club maranhense tivesse aceitado um convite de uma sociedade como o Parnahyba Sport Club, formado pela sua maioria por facínoras e selvagens” (SILVA, 2018, p. 223, apud DO MARANHÃO, 1920, p. 7).

Ainda no ano de 1.920, o Parnahyba viajou até a cidade de Fortaleza para uma série de quatro jogos. Nesses duelos, a equipe de Parnaíba levou a melhor, vencendo três das quatro partidas. (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1994, p. 18).

O Parnahyba iniciou o ano de 1.922 recebendo a visita do Guarani Atlético Clube, da cidade de Fortaleza, para mais uma série de quatro partidas, assim identificadas: Taça Ceará-Piauí (0 x 1 em 12-01-1922), Taça Guarani (2 x 0 em 15-01-1922), Taça Iracema (4 x 0 em 19-01-1922) e Taça do Comércio (3 x 1 em 22-01-1922). A Taça Iracema foi um oferecimento da colônia cearense residente na cidade de Parnaíba. O time base que enfrentou o Guarani AC foi: Aderson, Basílio e Xixico; Albino, Brandão e Antônio; Colibri, Lyra, Zeca, Milton Ramos e Milton Moreira (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1994, p. 18).

A partir desses primeiros jogos amistosos a equipe do Parnahyba manteve um intercâmbio com várias outras equipes do Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil. “Assim, tivemos as visitas de: Remo, Tuna Luso, Paysandu, Moto Clube, Sampaio Correia, Maranhão, Ceará, Fortaleza, Ferroviário, Esporte Clube Bahia, Vitória, Madureira e Atlético Clube. (ALMANAQUE DA PARNAÍBA, 1994, p. 18).

Nas primeiras décadas do século XX, o Parnahyba realizou dezenas de amistosos. Infelizmente, “a precariedade de documentos e registros autênticos que possam subsidiar um trabalho confiável” (CARVALHO, 2009, p. 18) limita e dificulta a busca por informações. Alguns documentos, como, por exemplo, as súmulas com as anotações de alguns jogos simplesmente sumiram (NASCIMENTO, 2013), impossibilitando assim maior veracidade das informações.

Portanto, o nosso escopo com relação aos jogos amistosos realizados pelo Parnahyba - dentro e fora de seus domínios - se limitou aos primórdios, época em que os times e o futebol estavam em sua fase embrionária, na cidade de Parnaíba e nos Estados do Piauí e do Maranhão.

O Litígio

A extinção do Internacional Athletic Club gerou um litígio dos proprietários do seu estádio com a Liga Sportiva Parnaibana. Em 1.966, “uma grande campanha comandada pelos desportistas: Genes Rocha, Renato Santos e José Caldas, com o apoio unânime do povo, levantou a cidade” para que a Câmara votasse a desapropriação do estádio, para ser repassados aos clubes de Parnaíba. O Legislativo votou e aprovou a desapropriação. “Festa do povo na Praça da Graça”. Depois da desapropriação, era à vez do Governador, Petrônio Portela, comprar e doar para a “Liga Sportiva Parnaibana para usufruto de todos os clubes em atividade, que eram: Parnahyba, Fluminense, Flamengo, Paissandu e Ferroviário” (CARVALHO, 1988, p. 4).

Depois da doação, o nome do estádio, passou, com justiça, a se chamar Estádio Petrônio Portela; já no ano de 1.973, durante o mandato do Prefeito, Carlos Furtado de Carvalho, e do primeiro mandato do Governador, Alberto Tavares Silva, o Estádio Petrônio Portela foi doado ao Parnahyba Sport Club. Ao longo de algumas décadas, o estádio foi esquecido. Por falta de cuidado e manutenção todas as estruturas remanescentes, inclusive as vindas da Inglaterra, ruíram. “O Parnaíba abandonou o Estádio Petrônio Portela. Não zelou o patrimônio que ganhou” (CARVALHO, 1988, p. 4), era o que dizia a matéria do Jornal Inovação de 1.988, com a manchete “O Golpe do Campo”.

Durante o primeiro mandato do Prefeito, Francisco de Assis de Moraes Souza (1.989-1.992), foi inaugurado o Estádio Municipal Mão Santa (atualmente Estádio Municipal Pedro Alelaf). Com isso, o time do Parnahyba passou a realizar seus jogos no estádio municipal, transformando o antigo no seu Centro de Treinamento (CT Petrônio Portela).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O futebol começou a ganhar notoriedade na Inglaterra durante meados do século XIX. Inicialmente, foi criado como uma forma de lazer, como uma atividade esportiva baseada na psicologia do “mente sã, corpo são”, sendo, posteriormente, introduzido no Brasil, no ano de 1.894, pelo paulista Charles Miller, que ao retornar a São Paulo trouxe os equipamentos necessários para o desenvolvimento do futebol em solo brasileiro.

A introdução do futebol no Piauí guarda semelhanças com o processo ocorrido na capital paulista. Em Parnaíba, o futebol chegou junto com o piauiense, José de Moraes Correia, que, assim como Charles Miller, trouxe em sua bagagem os equipamentos que seriam utilizados nas primeiras partidas de futebol no Piauí.

Nos primeiros anos do século XX, o futebol era praticado em Parnaíba pelos imigrantes que trabalhavam nas empresas inglesas instalada na cidade junto com os filhos da elite econômica local. Da junção desses dois estratos sociais, nasceram dois grupos de jogadores, que aproveitavam as folga do trabalho para praticar o futebol. Porém, o esporte rapidamente se popularizou. Pouco tempo depois da fundação do Internacional Athletic Club (1.912) e do Parnahyba Sport Club (1913) a cidade de Parnaíba já contava com vários times bairristas, tendo inclusive uma entidade para regular o futebol, a Liga Sportiva Parnaibana (LSP), fundada em 1.916.

A rivalidade foi o ingrediente principal que impulsionou o futebol no Piauí, através das disputas entre o Internacional e o Parnahyba. Essas duas equipes foram às primeiras campeãs de futebol do Estado e responsáveis pela revolução do futebol no Munícipio, com a construção dos dois primeiros estádios de futebol do Piauí, distantes um do outro por apenas 1 km.

Nos intervalos das disputas locais Parnahyba e Internacional foram protagonistas de muitos e muitos jogos amistosos, realizados em seus domínios ou como visitantes em cidades do Norte e Nordeste brasileiro. Através dessas disputas, sobretudo com times do Estado do Maranhão, o futebol da região foi se popularizando e consolidando Parnaíba como o grande centro do futebol no Estado do Piauí.

Com a extinção do Internacional o Parnahyba continuou sua trajetória de vitórias, se tornando o clube mais antigo em atividade do futebol piauiense. Ao longo dos seus mais de 100 anos, o Parnahyba Sport Club coleciona 26 títulos, divididos entre: campeonato parnaibano (9), campeonato piauiense (13), Taça Estado do Piauí (3) e Taça Governador Alberto Silva (1).

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